Conceito, Duração e Beneficiários do Salário-Maternidade
O salário-maternidade é um dos benefícios mais importantes da Previdência Social, desenhado para garantir a proteção financeira e social no momento do nascimento ou da chegada de um filho. Mais do que uma simples substituição de renda, ele representa a segurança necessária para o cuidado materno e paterno nos primeiros meses de vida ou convivência com a criança.
A base legal deste benefício encontra-se consolidada principalmente no artigo 71 da Lei nº 8.213/91 e no artigo 93 do Decreto nº 3.048/99. Compreender os requisitos técnicos e os prazos estipulados é o primeiro passo para garantir o deferimento administrativo ou judicial do pedido.
Definição e Prazos Legais
Em regra geral, o salário-maternidade é devido à segurada (e, em casos específicos, ao segurado) da Previdência Social por um período total de 120 dias. A legislação estabelece balizas temporais rígidas para o gozo deste benefício, visando cobrir tanto o período final da gestação quanto a recuperação pós-parto e os primeiros cuidados com o recém-nascido.
Conforme a redação atualizada do regulamento previdenciário:
"O salário-maternidade é devido à segurada da previdência social, durante cento e vinte dias, com início vinte e oito dias antes e término noventa e um dias depois do parto, podendo ser prorrogado na forma prevista no § 3º." (Art. 93 do Decreto 3.048/99)
Portanto, o fato gerador do benefício é o parto, mas o início do pagamento e do afastamento pode ocorrer a partir do 28º dia que antecede a previsão do nascimento.
A Extensão do Direito ao Segurado (Homem)
Historicamente associado apenas à figura materna, o benefício evoluiu para abarcar novas configurações familiares e garantir o bem-estar da criança, independentemente do gênero do genitor responsável. Atualmente, é pacífico que o homem também pode ser beneficiário do salário-maternidade.
Esta possibilidade aplica-se, sobretudo, aos casos de adoção ou guarda judicial para fins de adoção. A Instrução Normativa (IN) nº 128/2022 do INSS traz clareza sobre este ponto, estabelecendo o marco temporal para este direito:
"O benefício na situação de adoção ou guarda judicial para fins de adoção passou a ser devido ao segurado do sexo masculino, a partir de 25 de outubro de 2013, data da publicação da Lei nº 12.873, de 2013." (Art. 357, § 1º da IN 128/2022)
Isso significa que, em um escritório de advocacia previdenciária, deve-se estar atento não apenas às clientes mulheres, mas também aos clientes homens que se encontrem em processo de adoção, pois eles possuem direito líquido e certo ao benefício, desde que cumpram os demais requisitos de qualidade de segurado.
Categorias de Segurados Abrangidas
O benefício cobre praticamente todas as categorias de segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), incluindo:
- Empregadas (Urbanas e Rurais): Incluindo trabalhadoras avulsas.
- Empregadas Domésticas.
- Contribuintes Individuais: Autônomas e empresárias.
- Seguradas Especiais: Trabalhadoras rurais em regime de economia familiar.
- Seguradas Facultativas: Donas de casa ou estudantes que contribuem por conta própria.
- Segurados em situação de desemprego: Desde que mantenham a qualidade de segurado no momento do fato gerador (parto ou adoção).
Embora a cobertura seja ampla, as regras para a concessão — especificamente no que tange à carência (tempo mínimo de contribuição) — sofreram alterações drásticas recentemente devido a entendimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, tema que abordaremos no próximo tópico.
A Nova Tese da Dispensa de Carência: Decisão do STF e Estratégia Processual
Um dos temas mais debatidos e relevantes no direito previdenciário atual diz respeito aos requisitos para a concessão do salário-maternidade às contribuintes individuais, facultativas e seguradas especiais. Durante muito tempo, a legislação impôs uma barreira significativa para essas categorias: a carência.
No entanto, o cenário jurídico sofreu uma alteração drástica em favor das seguradas, graças a um entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF).
A Regra Anterior e a Exigência de 10 Meses
Pela regra geral prevista na legislação previdenciária (Lei 8.213/91), para as seguradas empregadas, domésticas e trabalhadoras avulsas, a concessão do salário-maternidade independe de carência. Ou seja, bastava a qualidade de segurada na data do parto para ter direito ao benefício.
Contudo, para as contribuintes individuais (autônomas), facultativas e seguradas especiais, a lei exigia o cumprimento de uma carência mínima de 10 contribuições mensais anteriores ao fato gerador (o parto). Essa diferenciação acabava por excluir diversas mulheres da proteção social justamente no momento em que mais precisavam, criando uma desigualdade injustificável entre as categorias de trabalhadoras.
O Divisor de Águas: ADIs 2110 e 2111 do STF
Recentemente, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2110 e 2111, o Supremo Tribunal Federal corrigiu essa distorção. A Corte decidiu afastar a exigência da carência para as contribuintes que antes eram penalizadas pela regra dos 10 meses.
O fundamento central da decisão foi o princípio da isonomia. Os ministros entenderam que a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras violava a Constituição Federal, uma vez que a proteção à maternidade e à infância deve ser universal e igualitária dentro do sistema previdenciário.
A tese previdenciária fixada pode ser resumida da seguinte forma:
"Por maioria, o STF declarou a inconstitucionalidade da norma que passou a exigir carência de 10 meses de contribuição para a concessão do salário-maternidade para as trabalhadoras autônomas (contribuintes individuais), para as trabalhadoras rurais (seguradas especiais) e para as contribuintes facultativas. Para os ministros, a exigência de cumprimento de carência apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia."
Embora as ADIs em questão tenham tratado de diversos temas (incluindo discussões sobre a Revisão da Vida Toda, que teve outro desfecho), no ponto específico do salário-maternidade, a vitória foi das seguradas.
A Realidade Prática: Negativa do INSS e Judicialização
Apesar da decisão da Suprema Corte, a prática administrativa do INSS ainda apresenta resistência. É comum que, ao solicitar o benefício no balcão do INSS sem ter as 10 contribuições, o pedido seja indeferido automaticamente pelos sistemas da autarquia, que se baseiam na literalidade da lei ainda não atualizada nos manuais internos.
Diante disso, a atuação do advogado previdenciarista torna-se indispensável. O caminho para garantir o direito é a judicialização.
Estratégia Processual Recomendada:
- Ingresso com Ação Judicial: Após a negativa administrativa, deve-se ajuizar a ação fundamentando o pedido nas ADIs 2110 e 2111.
- Pedido de Tutela de Urgência: Na petição inicial, é crucial requerer a tutela de urgência. Dado o caráter alimentar do benefício e a necessidade imediata da verba para o sustento da criança, os juízes tendem a deferir o pagamento imediato.
- Possibilidade de Acordo: Observa-se na prática forense que o INSS, ciente da derrota no STF, tem apresentado propostas de acordo logo na contestação ou nas fases iniciais do processo para evitar condenações maiores e honorários sucumbenciais elevados.
Portanto, atualmente, a orientação técnica é clara: não se pode mais exigir a carência para essas seguradas. Mesmo que o INSS negue administrativamente, o direito é garantido na via judicial.
Responsabilidade pelo Pagamento: Dever da Empresa versus INSS
Uma das dúvidas mais recorrentes na prática trabalhista e previdenciária diz respeito à responsabilidade pelo pagamento do salário-maternidade. A definição de quem deve arcar com o desembolso inicial varia conforme a categoria da segurada, e erros nesse direcionamento podem atrasar o recebimento da verba de natureza alimentar.
A Regra Geral para Segurada Empregada (CLT)
Para a segurada empregada (aquela com carteira assinada em empresas convencionais), a responsabilidade pelo pagamento direto do benefício é da empresa empregadora.
Neste cenário, a dinâmica funciona através de um sistema de compensação tributária:
- A empresa paga o salário-maternidade mensalmente à funcionária, como se fosse o seu salário habitual;
- Posteriormente, a empresa abate (compensa) esses valores das contribuições previdenciárias devidas ao INSS na guia de recolhimento mensal.
Portanto, para a segurada empregada, o benefício não é solicitado no balcão do INSS, mas sim diretamente no departamento de Recursos Humanos ou pessoal da empresa.
As Exceções: Pagamento Direto pelo INSS
A legislação prevê exceções importantes onde o INSS assume a responsabilidade pelo pagamento direto, sem intermediação do empregador. São os casos de:
- Empregada Doméstica: Devido à natureza do vínculo e à dificuldade operacional de compensação para empregadores domésticos, o INSS paga diretamente.
- Trabalhadora Avulsa: Aquela que presta serviços a diversos tomadores sem vínculo empregatício (comum em portos), também recebe diretamente do INSS.
- Empregada do Microempreendedor Individual (MEI): Este é um ponto de atenção crucial. Embora seja uma "segurada empregada", a funcionária contratada por um MEI recebe o benefício diretamente do INSS. O MEI, enquanto empregador com regime tributário simplificado, não realiza o pagamento direto.
O Que Fazer Quando a Empresa Se Recusa a Pagar?
Na prática advocatícia, é comum deparar-se com situações em que a empresa, passando por dificuldades financeiras ou agindo de má-fé, recusa-se a pagar o salário-maternidade à empregada.
Neste cenário, a segurada fica em um "limbo": a empresa não paga e o INSS indefere o pedido administrativo alegando que a obrigação é do empregador. A solução exige uma estratégia processual dupla e concomitante:
- Reclamação Trabalhista: Deve-se ajuizar ação na Justiça do Trabalho contra a empresa, requerendo o pagamento das verbas, inclusive com pedido liminar, dado o caráter de urgência.
- Ação Previdenciária na Justiça Federal: Paralelamente, deve-se ingressar contra o INSS. Embora a lei atribua o dever à empresa, a jurisprudência entende que a segurada não pode ficar desamparada pela inadimplência do empregador. O INSS é o garantidor final do seguro social.
Atenção ao Bis in Idem (Duplo Pagamento): Ao adotar essa estratégia, o advogado deve agir com total transparência e boa-fé processual.
- Se o INSS for obrigado a pagar primeiro (via tutela na Justiça Federal), deve-se informar imediatamente nos autos da Reclamação Trabalhista para evitar que a empresa seja condenada a pagar a mesma verba (o que configuraria enriquecimento ilícito).
- Se a empresa pagar (por força de acordo ou decisão trabalhista), deve-se informar à Justiça Federal para extinguir o pedido em relação àquela competência.
Essa atuação proativa evita litigância de má-fé e resolve o problema financeiro da cliente com maior celeridade.
Situações Especiais e Pontos de Atenção Prática
Para além das regras gerais, o dia a dia da advocacia previdenciária apresenta situações atípicas que exigem conhecimento detalhado das normas infralegais, como a Instrução Normativa (IN) nº 128/2022. Dominar essas exceções é fundamental para garantir a concessão correta do benefício e oferecer um planejamento previdenciário eficaz.
Prorrogação do Benefício por Motivo Médico
Embora a regra geral estabeleça 120 dias, existem situações de saúde que permitem a extensão desse prazo. O artigo 358, § 2º da IN 128/2022 prevê que, em casos excepcionais de risco de vida para a mãe ou para a criança, o período de repouso (datas de início e fim) pode ser estendido.
"Na hipótese de parto, o benefício poderá, em casos excepcionais, ter suas datas de início e fim estendidas em até 2 (duas) semanas, mediante atestado médico específico submetido à avaliação médico-pericial." (Art. 358, § 2º, IN 128/2022)
Essa extensão de duas semanas exige comprovação documental robusta e passará pelo crivo da perícia médica federal.
Adoção: Independência do Benefício e Idade Limite
No contexto da adoção ou guarda judicial para fins de adoção, o artigo 359 da IN 128/2022 esclarece um ponto crucial: o benefício é devido ao adotante independentemente de a mãe ou pai biológico já ter recebido o benefício quando do nascimento da criança. Não há impedimento ou compensação neste caso.
O direito abrange a adoção de crianças de até 12 anos de idade, garantindo-se os 120 dias de salário-maternidade. Vale ressaltar a necessidade de apresentação do termo de guarda ou da sentença com trânsito em julgado.
Gestação Múltipla (Gêmeos)
Uma dúvida comum diz respeito ao nascimento de gêmeos. A legislação é taxativa: no caso de gravidez múltipla, será devido um único salário-maternidade. Não há pagamento em dobro, independentemente da quantidade de crianças nascidas no mesmo parto (Código de benefício B80).
O Caso Específico da Microcefalia
Existe uma legislação específica (Lei nº 13.985/2020, Art. 5º) voltada para o surto de Zika Vírus ocorrido na década passada. Para crianças nascidas com microcefalia decorrente de sequelas neurológicas de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, o salário-maternidade é concedido automaticamente por 180 dias.
Atenção ao marco temporal: Esse direito ampliado aplica-se às crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019.
Aborto Não Criminoso e Parto Antecipado
A distinção entre aborto e parto antecipado gera efeitos previdenciários distintos:
- Aborto não criminoso: Comprovado mediante atestado médico, gera direito ao salário-maternidade correspondente a apenas duas semanas (14 dias).
- Parto antecipado (Prematuro): Mesmo que ocorra antes do tempo previsto, a segurada mantém o direito integral aos 120 dias de benefício.
Atividades Concomitantes (Dois Empregos)
Para a segurada que possui dois vínculos empregatícios (dois empregos CLT), o salário-maternidade é devido relativo a cada um dos empregos. Ou seja, ela receberá dois benefícios, pois contribui sobre dois vínculos distintos.
Contudo, há uma restrição importante mencionada na prática administrativa: caso a segurada exerça duas atividades simultâneas na categoria de contribuinte individual (autônoma), a regra tende a limitar a concessão a apenas um benefício de salário-maternidade, observando-se o teto de contribuição e as peculiaridades do sistema.
Reflexo no Planejamento Previdenciário
Por fim, é vital lembrar que o período de recebimento do salário-maternidade deve ser considerado como período de contribuição. Durante os meses em que a segurada (ou segurado) está em gozo do benefício, considera-se que houve contribuição previdenciária.
Isso é essencial para o cômputo do tempo de aposentadoria. Advogados devem verificar se esses períodos estão corretamente averbados no CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais), garantindo que o tempo de afastamento materno/paterno conte efetivamente para a futura inativação.