1. Conflito de Categorias: O Período de Graça Mais Vantajoso Prevalece?
Uma das dúvidas mais frequentes que recebo no dia a dia da prática previdenciária envolve a chamada "colisão de períodos de graça". Imagine a seguinte situação: uma segurada perde o emprego e entra no período de graça (aquele tempo em que, mesmo sem pagar, ela mantém seus direitos perante o INSS). No meio desse período, ela resolve contribuir como facultativa, mas para logo em seguida.
A grande questão é: essa nova contribuição, feita em uma categoria diferente, cancela a contagem do período de graça anterior? Se o novo período for mais curto, ela sai prejudicada por ter tentado contribuir?
Para responder a isso, precisamos primeiro revisitar o conceito básico. O período de graça não é como um seguro de carro que acaba no dia em que você deixa de pagar. A legislação previdenciária garante uma extensão da proteção, que pode variar de 3 a 36 meses, dependendo do histórico do segurado.
O Caso Prático: Empregada x Facultativa
Vamos analisar um exemplo concreto extraído da nossa transcrição para ilustrar o problema:
- Janeiro/2020: A segurada fica desempregada (fim do vínculo empregatício).
- Março/2020: Ela começa a contribuir como facultativa.
- Abril/2020: Ela para de contribuir (pagou apenas março e abril).
- Fevereiro/2021: Nasce a criança.
Se olharmos apenas para a última categoria (facultativo), o período de graça é de apenas 6 meses. Contando a partir de abril/2020 (última contribuição), a proteção dela acabaria em 15 de dezembro de 2020. Como a criança nasceu em fevereiro de 2021, ela não teria direito ao Salário-Maternidade por essa regra.
No entanto, se olharmos para o vínculo anterior (empregada), o período de graça é de, no mínimo, 12 meses. Contando a partir de janeiro/2020, a proteção iria até março de 2021. Nesse cenário, ela teria direito.
Qual das duas regras o INSS deve aplicar?
A Regra do Período Mais Vantajoso (IN 128/2022)
A resposta é clara e favorável ao segurado: prevalece o período de graça mais vantajoso.
A legislação entende que o segurado não pode ser "penalizado" por tentar voltar a contribuir. Se ela não tivesse pago nada como facultativa, teria o direito garantido pelo vínculo de emprego. Não faz sentido retirar esse direito só porque ela pagou duas parcelas como facultativa.
Atualmente, essa garantia está expressa na Instrução Normativa PRES/INSS nº 128/2022, especificamente no Art. 184, § 7º:
"O segurado obrigatório que, durante o período de manutenção de qualidade de segurado [...] se filiar ao RGPS na categoria de facultativo, ao deixar de contribuir nesta última, terá direito de usufruir o período de graça de sua condição anterior, se mais vantajoso."
Portanto, no nosso exemplo, a segurada tem direito ao Salário-Maternidade. A qualidade de segurado do vínculo de emprego (que ia até março/2021) se sobrepõe ao período curto do facultativo (que terminou em dezembro/2020).
Como Contar o Período de Graça Corretamente
Para que você não erre na contagem, lembre-se da regra prática:
- Identifique o último mês de contribuição ou vínculo.
- "Pule" o mês seguinte (mês de competência subsequente).
- Comece a contar o prazo (12, 24 ou 36 meses) a partir do primeiro dia do mês subsequente ao pulado.
- A data final da qualidade de segurado será sempre no dia 15 do mês seguinte ao término desse prazo (considerando o vencimento da contribuição).
No exemplo dado:
- Saiu em Janeiro.
- Pula Fevereiro.
- Início da contagem: Março.
- Fim dos 12 meses: Fevereiro do ano seguinte.
- Perda da qualidade (data limite para pagamento): 15 de Março.
Essa mecânica é essencial para garantir que requerimentos justos não sejam indeferidos por erros de cálculo ou interpretação equivocada sobre qual vínculo deve ser considerado.
2. Duração do Salário-Maternidade: Regra Geral e Exceções Legais
Compreender a duração exata do benefício é fundamental para o planejamento familiar e financeiro da segurada. Embora a maioria das pessoas tenha em mente o prazo padrão de quatro meses, a legislação previdenciária estabelece regras específicas de contagem e exceções que podem estender esse período.
A Regra Básica: 120 Dias
Conforme estabelece o Art. 93 do Regulamento da Previdência Social (RPS), o Salário-Maternidade é devido à segurada durante 120 dias.
Muitos cometem o erro de somar apenas os períodos de afastamento e não encontram o número exato. Para a matemática fechar, o INSS considera a seguinte divisão cronológica:
- Início: Até 28 dias antes do parto;
- Evento: O dia do parto;
- Término: 91 dias após o parto.
Atenção à contagem: Se você somar 28 (antes) + 91 (depois), o resultado é 119. O 120º dia é justamente o dia do nascimento da criança, que é considerado um dia à parte na contagem legal.
Portanto, o benefício pode começar a ser pago 28 dias antes da data prevista para o nascimento (mediante atestado médico) ou a partir da data do nascimento (mediante certidão de nascimento).
Prorrogação por Motivo Médico (Excepcional)
Existem situações em que a saúde da mãe ou do bebê exige cuidados adicionais. A lei prevê que, em casos excepcionais, os períodos de repouso anteriores e posteriores ao parto podem ser aumentados em duas semanas (14 dias).
Para ter direito a essa prorrogação, é necessário:
- Apresentar atestado médico específico;
- Submeter-se à avaliação médico-pericial do INSS.
Assim, somando-se os 120 dias da regra geral com as possíveis prorrogações (duas semanas antes e/ou duas semanas depois), a duração do benefício poderia chegar, em tese, a 148 dias em cenários de complicações médicas específicas.
Duração Diferenciada: Microcefalia Decorrente de Zika Vírus
Uma exceção legislativa importante, trazida pela Lei nº 13.301/2016, diz respeito às mães de crianças nascidas com microcefalia decorrente de sequelas neurológicas transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti (Zika Vírus).
Nesses casos específicos, o Salário-Maternidade é devido pelo prazo de 180 dias. Trata-se de uma proteção social ampliada devido à complexidade e necessidade de cuidados intensivos que essa condição impõe à família.
O Caso da "Empresa Cidadã"
É comum a confusão entre o benefício previdenciário e o programa "Empresa Cidadã". Algumas seguradas questionam por que receberam apenas 120 dias se a "lei permite 180".
É preciso esclarecer que a prorrogação de 60 dias concedida por empresas participantes do Programa Empresa Cidadã não é um benefício previdenciário.
- Salário-Maternidade (INSS): 120 dias.
- Prorrogação Empresa Cidadã: +60 dias.
Esses 60 dias adicionais são pagos pela empresa, que recebe em troca incentivos fiscais do governo. Portanto, para o INSS, a responsabilidade financeira (regra geral) encerra-se no 120º dia (ou 180º no caso de Zika), sendo o restante uma relação trabalhista e fiscal entre empregado, empregador e Receita Federal.
Dica Prática para Requerimento:
Muitas vezes, a segurada solicita o benefício com base no atestado médico dos 28 dias anteriores ao parto. Porém, devido à demora na análise do INSS, a criança acaba nascendo antes da concessão.
Se isso acontecer, a recomendação prática é: anexe imediatamente a Certidão de Nascimento ao processo.
Embora a segurada tenha direito aos dias anteriores, comprovar o nascimento com a certidão torna a concessão do benefício muito mais rápida e incontestável administrativamente ("ato vinculado"), evitando exigências adicionais sobre a validade do atestado médico de gestante.
3. Prazos para Requerimento e Direitos da Segurada Aposentada
Uma questão burocrática que gera muita confusão, especialmente devido a alterações legislativas temporárias nos últimos anos, é o prazo limite para solicitar o Salário-Maternidade. Além disso, existe a situação peculiar da mulher que já se aposentou, mas continua na ativa: ela ainda tem direito a esse benefício?
O Prazo Prescricional de 5 Anos
Ao contrário do que muitos imaginam, não existe na lei um artigo que diga expressamente "o prazo para pedir é de 5 anos". O que existe, na verdade, é o prazo prescricional para a cobrança de parcelas vencidas contra a Fazenda Pública.
Na prática, isso significa que a segurada pode requerer o benefício até 5 anos após o parto.
A Confusão da MP 871/2019:
Durante a vigência da Medida Provisória nº 871, em 2019, houve uma tentativa de restringir esse direito. A MP estipulou que o requerimento deveria ser feito em até 180 dias sob pena de perda do direito.
Contudo, é fundamental esclarecer: essa regra não foi convertida em lei. A Lei nº 13.846/2019, que resultou da conversão da MP, não manteve esse prazo restritivo.
Portanto, atualmente, o INSS administrativamente reconhece e aplica o prazo de 5 anos. Mesmo que a criança já tenha 3 ou 4 anos de idade, se a mãe preenchia os requisitos na data do nascimento (qualidade de segurada e carência, se exigida), ela pode solicitar o pagamento retroativo. O governo paga o que é devido dentro desse lustro prescricional.
A Segurada Aposentada tem Direito?
A aposentadoria não encerra a vida laboral de muitas mulheres. Se uma segurada aposentada retorna à atividade (ou continua trabalhando) e engravida ou adota, ela tem direito ao Salário-Maternidade, desde que esteja contribuindo.
Essa garantia está prevista no Art. 103 do Regulamento da Previdência Social (RPS):
"A segurada aposentada que retornar à atividade fará jus ao pagamento do salário-maternidade, de acordo com o disposto no art. 93."
Acumulação de Benefícios
Um ponto crucial é a possibilidade de acumulação. A legislação previdenciária permite que a segurada receba, simultaneamente:
- Sua Aposentadoria;
- O Salário-Maternidade.
Não há impedimento legal para receber os dois juntos.
A Obrigatoriedade da Contribuição
Para ter acesso a esse direito, a palavra-chave é retorno à atividade. A aposentada que volta a trabalhar torna-se, obrigatoriamente, uma segurada do Regime Geral. Consequentemente, ela deve contribuir para a Previdência (com exceção das faixas de isenção ou regras específicas, mas a regra geral é a obrigatoriedade).
O INSS analisará as contribuições vertidas após a aposentadoria (ou a manutenção do vínculo ativo) para conceder o benefício. O fato de já receber um benefício previdenciário (aposentadoria) não a isenta de contribuir sobre a atividade remunerada que exerce, e, em contrapartida, garante a cobertura para o risco social da maternidade.
4. Adoção e Salário-Maternidade Derivado: Regras Especiais
A proteção previdenciária à maternidade evoluiu para acompanhar as mudanças na sociedade e nas estruturas familiares. Hoje, o benefício não se restringe apenas à mãe biológica ou ao parto, abrangendo também a adoção e situações delicadas como o falecimento da genitora.
Adoção: Direitos Iguais, Pagamento Diferente
A legislação atual (Art. 71-A da Lei 8.213/91) equipara a adoção ao parto para fins de proteção social. Se você é segurado(a) e adota uma criança, ou obtém a guarda judicial para fins de adoção, tem direito ao Salário-Maternidade.
Pontos chave sobre a Adoção:
- Duração: O benefício é devido por 120 dias, independentemente da idade da criança (desde que ela tenha até 12 anos incompletos). Antigamente, o prazo variava conforme a idade, mas essa regra caiu em 2013.
- Homens também recebem: A Lei 12.873/2013 corrigiu uma distorção histórica, permitindo que homens adotantes recebam o benefício.
- Quem paga: Aqui reside uma diferença prática fundamental. Mesmo que o segurado adotante seja empregado, o pagamento do Salário-Maternidade em caso de adoção é feito diretamente pelo INSS, e não pela empresa.
Regra da Unicidade na Adoção: Quando um casal (seja heteroafetivo ou homoafetivo) adota uma criança conjuntamente, apenas um dos cônjuges ou companheiros terá direito ao benefício. O "adotante principal" — aquele que requerer o benefício primeiro ou que for definido pelo casal — receberá a proteção. Não é possível pagar dois benefícios para o mesmo fato gerador.
Salário-Maternidade Derivado: Proteção em Caso de Óbito
O "Salário-Maternidade Derivado" é um mecanismo de proteção à família em um momento de extrema vulnerabilidade: a morte da segurada que tinha direito ao benefício.
Se a mãe falece durante o parto ou durante o período de recebimento do benefício, o pagamento não "morre" com ela. O benefício é transferido (derivado) para o cônjuge ou companheiro sobrevivente, garantindo o sustento da criança.
Requisitos Obrigatórios para o Pai/Companheiro Sobrevivente:
- Qualidade de Segurado: O sobrevivente que vai receber o benefício precisa ter qualidade de segurado do INSS na data do óbito da mãe.
- Criança Viva: A criança deve permanecer viva (e não pode ter sido abandonada).
- Prazo: O benefício será pago pelo tempo restante a que a mãe teria direito.
Exemplo Prático: Uma mãe segurada falece 30 dias após o parto. Ela teria direito a mais 90 dias de benefício. Se o pai tiver qualidade de segurado, ele poderá requerer esses 90 dias restantes como Salário-Maternidade Derivado.
Importante sobre o Valor: O valor do benefício derivado não é necessariamente o mesmo que a mãe recebia. Ele será recalculado com base na remuneração ou salário-de-contribuição do sobrevivente. Se o pai, no nosso exemplo, ganha menos que a mãe falecida, o benefício será menor. Se ganha mais (até o teto), será maior.
Gêmeos: O Benefício Dobra?
Uma dúvida recorrente, que vale tanto para o parto quanto para a adoção, é sobre o nascimento de gêmeos. A regra é objetiva: o fato gerador é único.
Para a Previdência Social, o evento é o "parto" ou a "adoção", independentemente do número de crianças. Portanto, nasce apenas um direito ao Salário-Maternidade, e não dois ou três.
5. Carência e Cálculo da Renda Mensal Inicial (RMI)
Chegamos a um dos pontos mais sensíveis e que sofreu uma mudança histórica recente: a carência. Além disso, entender quanto você vai receber (a Renda Mensal Inicial) é essencial para não ser pego de surpresa com um valor abaixo do esperado.
O Fim da Carência de 10 Meses (Atenção: Regra Nova!)
Se você assistiu ao vídeo original ou estudou por materiais antigos, deve ter aprendido que a Contribuinte Individual, a Facultativa e a Segurada Especial precisavam de 10 meses de contribuição para ter direito ao benefício.
Essa regra mudou radicalmente.
Em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das ADIs 2.110 e 2.111, declarou inconstitucional essa exigência diferenciada. O entendimento foi consolidado pelo INSS na Instrução Normativa PRES/INSS nº 188, de 2025.
Como é hoje: Agora, a regra é de isonomia. Não se exige mais carência mínima de 10 meses para nenhuma categoria.
- Contribuinte Individual (incluindo MEI), Facultativa e Segurada Especial: Basta ter a qualidade de segurada e uma única contribuição válida anterior ao fato gerador (parto, adoção, etc.) para ter direito ao benefício.
Importante: Isso significa que se uma autônoma começar a pagar o INSS hoje e engravidar no mês que vem, ela terá direito ao salário-maternidade, desde que mantenha os pagamentos em dia até o parto para não perder a qualidade de segurada. O antigo "pedágio" (regra de pagar metade da carência para recuperar o direito) perdeu o sentido prático para este benefício específico, já que uma contribuição agora garante o acesso.
Isenção Total de Carência
Para as demais categorias, a regra de isenção total, que já existia, permanece inalterada:
- Empregada (CLT);
- Trabalhadora Avulsa;
- Empregada Doméstica.
Para estas, basta estar vinculada à Previdência no momento do fato gerador. Assinou a carteira hoje e o bebê nasceu amanhã? Tem direito.
Renda Mensal Inicial (RMI): Quanto vou receber?
O valor do benefício varia drasticamente dependendo da sua categoria de segurada. O cálculo não segue a regra geral das aposentadorias; ele tem regras próprias definidas no Art. 28 da Lei 8.213/91:
1. Empregada e Trabalhadora Avulsa
Recebem o valor da sua remuneração integral.
- Detalhe: Não há teto do INSS. Se a empregada ganha R$ 15.000,00, ela recebe R$ 15.000,00 (limitado apenas ao teto do funcionalismo público, o subsídio dos ministros do STF).
- Quem paga: A empresa paga e depois desconta na guia do INSS. No caso da avulsa, o pagamento é direto pelo INSS.
2. Empregada Doméstica
Recebe o valor do seu último salário de contribuição.
- Quem paga: O INSS paga diretamente.
3. Segurada Especial (Rural)
Recebe o valor de 01 Salário Mínimo.
- Quem paga: O INSS paga diretamente.
4. Contribuinte Individual, Facultativa e Desempregada
Aqui o cálculo é diferente e exige atenção. O valor será a média aritmética dos 12 últimos salários de contribuição apurados em um período não superior a 15 meses.
- Exemplo: Se você contribuiu 6 meses sobre o teto e 6 meses sobre o mínimo, o benefício será a média desses valores, e não o último salário.
- Quem paga: O INSS paga diretamente.
5. Microempreendedora Individual (MEI)
Como a contribuição do MEI é fixa sobre o salário mínimo, a regra segue a da contribuinte individual, mas o resultado prático quase sempre é o benefício no valor de 01 Salário Mínimo.
- Quem paga: O INSS paga diretamente.
Nota sobre o desconto do INSS: Lembre-se que, durante o recebimento do Salário-Maternidade, há desconto de contribuição previdenciária sobre o valor do benefício (exceto para algumas verbas indenizatórias decididas pelo STF, mas a regra geral mantém a tributação para manter a qualidade de segurado).
Este guia foi útil para você? Com essas informações atualizadas, você está pronta para requerer seu direito ou orientar suas clientes com segurança jurídica, baseada nas normas mais recentes de 2025.